Por ser um esporte genuinamente urbano, a prática do skate se dá nas cidades com skatistas usando-a de palco para suas manobras. Logo, se faz importante entender como os skatistas se comportam e se relacionam com o espaço público, para poder compreender a importância do espaço condizente e agradável para suas atividades, mas também conectado e direcionado ao público em geral.
O skate foi uma invenção norte-americana derivada do surfe, ficando conhecido na década de 1960 como “surfe de asfalto” (BRANDÃO, 2012, p.26) que no começo os praticantes desciam ladeiras imitando movimentos do surfe, mas só foi popularizado na década de 1970, quando aconteceu uma esportivização da prática, que resultou no skate vertical, praticado em grandes rampas em formato de “U” (BRANDÃO, 2014, p.53). ( Figura 1 )
Figura 1 - Sandro Dias Mineirinho andando no Vertical - Fonte: Globo Esporte
Diferente dessa prática mais esportiva do skate, desenvolveu-se o Street Skate, que não era praticado em pistas e sim em ruas e praças, passando a ser uma prática de interação com os mais diversos aparelhos urbanos, como escadas, bancos, guias, muros, degraus, bordas etc. ( Figura 2 ) (BRANDÃO, 2014). Além disso, Brandão (2014, p.54 apud MACHADO, 2011, p.23) acredita que:
Essa prática não se deu com a simples circulação dos skatistas entre pedestres, motos ou outros veículos, mas sim como uma prática de interação com a dinâmica urbana, tendo em vista a procura por ‘picos’, isto é , equipamentos urbanos dotados de certas características que possibilitassem a prática do Street Skate (BRANDÃO, 2014, p.54 apud MACHADO, 2011, p.23)
Figura 2 - Capa da Thrasher mostrando a versatilidade e subversão na prática do esporte
Dessa maneira, fica notório a relação entre o skate e o espaço urbano e com a dinâmica da cidade, de maneira que os skatistas, diferentemente de outros usuários, não se movem apenas de um ponto ao outro da cidade como meio de transporte, e sim descobrem novos obstáculos, a cada quarteirão, uma praça se torna ponto de manobras, e ponto de permanência. Mas para além da permanência do espaço público, a dinâmica da exploração da cidade em busca de ‘picos’, o skate pode se tornar uma ferramenta de descoberta e democratização do espaço da cidade.
Para entender e explicar a visão do skatista do espaço público, Brandão busca o conceito de “heterotopia” em Michael Foucault, assim ele sintetiza o conceito de na “presença de múltiplas representações conflitantes em uma mesma área” (BRANDÃO, 2014, p.53 apud VALVERDE, 2009, p.10). Afirmando que “De fato, Foucault afirma que a heterotropia tem o poder de justapor em um só lugar real vários espaços, vários posicionamentos que em si próprios são incompatíveis” (BRANDÃO 2014, p.53 apud FOCAULT, 2009, p.418).
Brandão (2014) relaciona o conceito de heterotopia, com a prática do skate, tendo em vista que engradava uma forma de ver e utilizar corporalmente o espaço de maneira que não era previsto nem aceitável institucionalmente, pois segundo ele, fazer de um corrimão um obstáculo e não um instrumento para ajudar a apoiar o corpo, usar de escadas para saltos e não como auxílio para se passar de um nível ao outro são exemplos concretos e localizáveis de heterotopias; isto é, “invenção de outros espaços dentro dos próprios espaços”(BRANDÃO, 2014, p.54)
Assim, pode-se dizer que a skatista enxerga no objeto arquitetônico uma função diferente da qual foi projetada, podendo usar de sua criatividade para subverter o significado do espaço para a prática do esporte.
Através da análise de revistas de skate da década de 1980, o autor afirma que as legendas usadas pelas capas das revistas, e os obstáculos nos quais eram usados pelos skatistas, buscavam explicar para o leitor que o skate poderia ser praticado em qualquer local, assim justificando as imagens dos skatistas em ação, saltando sobre os mais inusitados pontos de arquitetura da cidade (Figura 3), através de legendas como: aproveitar o espaço é antes de tudo uma questão de criatividade.
Figura 3 - Capa da Revista YEAH! " O skate invade as Ruas "
A edição de julho-junho de 1989 da revista skatin’, pode ser considerada outro exemplo de heteroropia na qual se pode visualizar o skatista utilizando um encontro de banco da antiga Praça Roosevelt, no centro de São Paulo. ( Figura 4 )
Figura 4 - Capa da Revista Skatin' ilustrando a prática do skate street
Assim verifica-se que o skate é um esporte versátil,democrático e subversivo na sua essência pois sua prática não se restringe apenas a um local, ele é executável em todos os lugares que a visão do skatista vê como possível obstáculo. Ou seja, se não houverem locais apropriados para a prática do skate, o skatista encontrará outros meios para sua prática. Nesse sentido, observa-se a importância de garantir as condições adequadas para o desenvolvimento do esporte, e respeitando as demais atividades e funções inerentes ao espaço público.
Texto retirado da monografia do curso de Arquitetura e Urbanismo com o Tema: "Reestruturação e Ressignificação da Pista de Skate do Barreiro" por Alex Cesar Gomes Junior
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